20 de abril de 2011

Cinema: A Alma - A transgressão afetiva

Por: Lucas Sá

È essa relação de espectador com o espetáculo, essa aproximação de ambos, que permite um estado de transgressão a quem vivência a experiência audiovisual. É a complexidade visual e sonora que ativa um sentido obscuro na platéia, uma inquietude espiritual, que é implementada pelo conjunto de anexos (cor, trilha, cenário, ângulo, perspectiva). O cinema não é uma arte individualista, é uma troca de meios, uma integração. E é por essas combinações que o cinema permite, como chama Edgar Morin, uma "participação afetiva" do público para com a obra. Morin, em seu seus estudos, cita o experimento feito por Kuleshov, o chamado Efeito Kuleshov, como exemplo sobre o domínio da arte cinematográfica sob o público. O experimento consistiu em usar filmagens de um homem sem expressão facial, uma criança em um caixão, um prato de sopa e a de uma mulher. Kuleshov então, por meio da montagem, alternou essas imagens entre: O homem + caixão. O homem + prato de sopa. O homem + mulher. E exibiu para uma platéia. O que Kuleshov percebeu foi que as pessoas reagiam de formas diferentes a cada sequência alternada do homem com outra imagem, e sentiam a tristeza, a fome ou o desejo deste homem. Por exemplo, a imagem homem + caixão provocava uma tristeza no público, pois achavam que o ator (homem) havia perdido alguma pessoa querida. Essas pessoas só não notaram que a expressão do ator não mudava em nenhuma das cenas em combinação com outra, mas mesmo assim, as associações dessas imagens despertaram um sentimento subjetivo nelas que ultrapassam a expressão facial repetitiva do ator. O que revela o poder da imagem, sendo uma forma de "brinquedo dos sentimentos".A própria câmera subjetiva, o olhar do ponto de vista do ator, é uma forma de manipulação sentimental para com público. Os recentes filmes Enter the Void (Gaspar Noé) e O Escafandro e a Borboleta (Julian Schnabel) é um exemplo máximo desta posição ator = espectador, pois se passa inteiro sob a visão de seus protagonistas, sendo possível ver até mesmo as piscadas de seus olhos.

"O que há de mais subjetivo - o sentimento - infiltrou-se no que de mais objetivo há: uma
imagem fotográfica, uma máquina". - Edgar Morin (A Alma do Cinema)

Morin declara essa noção de alma do cinema com o espectador em uma sala de cinema propriamente dita, ou seja, em uma sala escura com apenas a tela sendo o ponto de foco da visão. Logo, essa objetividade do olhar humano perante uma tela rei, é essencial para que o espectador se sinta imerso na experiência proposta pela imagem móvel. Nessa sala, algo como um teatro para o cinema, é possível uma não interferência da projeção, isso afirma a concentração imediata do espectador a ação dramática, ajudando na invasão espiritual (alma) do homem, proporcionando que a arte cinematográfica seja intocável, pois esse produto (filme), uma vez concretizado sua produção, não poderá ser modificado na exibição, tendo uma experiência conjuntural. No teatro, essa idéia já é discutível. Durante as representações teatrais, o erro, ou seja, alterações falhas ou não, são constantes, pois o teatro é apresentado por ações humanas que controlam o espetáculo. Sendo assim, o teatro é contrário ao cinema, já que este é uma arte ilusória, existindo apenas na imaginação, no celulóide, ou recentemente, no meio digital.

Mas o cinema mesmo sendo interferível na projeção ou na sala de cinema, ele sofre com alterações danosas à experiência audiovisual. Como no caso de erros, tanto na filmagem como na montagem. Esses erros desabilitam a impressão do real que os artifícios técnicos, maquinais, geraram durante sua produção. Defeitos como, boom ou outros aparelhos de som e gravação aparecendo, erros nos encontros dos eixos das imagens, problemas de continuidade de cena e atuações precárias, são favoráveis a desilusão do espectador perante a suposta realidade criada, gerando assim, um choque visual. Claro que muitos diretores e filmes utilizam isso como questão formal ao seu trabalho, como no caso de vários documentários, entre eles, Santiago de João Moreira Salles.

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