6 de julho de 2011

Edmond Couchot e a arte numérica

Por: Lucas Sá

O desejo de materializar em meios não palpáveis a realidade é almejado há anos, essa conquista foi se tornando cada vez mais fértil a partir do Renascimento, que reuniu o intelecto de inúmeros artistas, principalmente pintores e inventores, para exercerem o papel de mentores da retratação virtual do que é real, seja por uma pintura ou por inventos pirotécnicos. Mas nenhum deles foi tão significativo quando a aliança da imagem para com a Perspectiva, efeito ótico ilusório que engana descaradamente o olhar humano, órgão fajuto e facilmente driblado, através de linhas e pontos que nos dão a impressão de imersão e realidade figurativa. Artistas da renascença passaram então a aliar os adventos da tecnologia em seus métodos artísticos, sobretudo na pintura, onde utilizavam a câmera escura para recriar com perfeição e detalhes pinturas e desenhos, como astrônomo Johannes Kepler, que há utilizou para retratar figuras topográficas. Antes o método mais fiel era a visão humana para a síntese desse produto do real, mas com os aparatos cada vez mais técnicos e ágeis, esse uso prematuro do órgão permanece em crise, já que ele se torna inevitavelmente dependente de extensões movidas a ferro e a roldanas automáticas. Isso sim é a real automatização da imagem.

Com a câmera escura os inventores e cientistas promoveram a criação de algo ainda mais irreversível e capaz de transforma a imagem e a impressão do real em um objeto instantâneo e palpável. Assim se fixa a fotografia como meio indutivo de intervenção e captação da suposta realidade, tendo como diferença de sua antecessora, a câmera escura, a substituição de um orifício artesanal por uma objetiva capaz de captar imagens de maneira automática. E é sobre essa linha sagaz que se mantêm o cinema, representação de pequenas fotos em constante movimento, assim como a sua origem apressada. O cinema aliado a fotografia são os meio capazes de tornar a imagem figurativa algo instantâneo e hipnótico. Talvez seja a maior automatização do processo de captação da imagem desde os impulsos ferozes do Renascimento burguês, e provavelmente seja a única daqui pra frente. Ambos tornaram a figuração virtual em parcelas de pequenos instantes, ou seja, cotação de tempos que só existem na nossa percepção visual, no caso, a visão do artista e espectador.
Fruto desse constante apelo sobre a imagem, nasce a televisão, meio que é, sobretudo, mais abrangente e globalizado em relação à dominação do olhar sobre a figuração númerica e automatizada da imagem. Edmond Couchot, em seu texto, Da Representação à Simulação: Evolução das Técnicas e das Artes da Figuração, afirma que foi o universo televiso "que acrescentou ao cinema a capacidade de registrar, transmitir e reproduzir simultaneamente e quase instantaneamente uma imagem em movimento” (COUCHOT, E. 1993 p.37). Instantaneamente é a palavra chave para caracterizar a TV em seu dever. A imagem nunca foi tão revolucionária e possível desde então, o tubo televisivo é capaz de encadear uma imagem em segundos, massificando essa mesma imagem em diversos lares residenciais e públicos, padronizando e educando o olhar para com seu conteúdo. Talvez esse seja o motivo de tanta rejeição por parte de intelectuais do meio cinematográfico, como Jean-Claude Carriére, em seu livro A Linguagem Secreta do Cinema, que analisa o controle remoto, aparato mimado e insistente da TV, como um objeto eletrônico que torna o espectador o montador de seus próprios filmes, tornando-o ignorante e quase esquizofrênico em relação à ação da mudanças de canais.

A TV permitiu um maior envolvimento da imagem figurativa em um alinhamento quase perfeito do espaço e do tempo, complementados pela a trindade dimensional, no caso, o Objeto, a Imagem e o Sujeito. É a relação mútua, ou melhor, a hibridização (como diria Edmound Couchot) e a convergência dos meios (como diria Arlindo Machado) que permite a contemplação do vigente em relação à imagem em movimento, unindo por meio de materiais químicos o espaço e o tempo divergente em um mesmo instante, desde o momento da captação/pose, no caso, o PRESENTE-PASSADO, até a contemplação física, neste caso, o PRESENTE-PRESENTE.

Um fato curioso desse envolvimento de espaço e tempo (captação e contemplação) na TV, foi o gol não validado pelo juiz Jorge Larrionda, da Alemanha contra a Inglaterra, na copa do mundo da África do Sul em 2010. A decisão gerou grande polêmica e contestação das ações que o árbitro efetivou depois que a grande massa televisa, no caso, os espectadores, viram em suas próprias telas a bola entrando no gol. Semelhante ao que aconteceu com ambos os times na copa de 1966. Essa reprovação em meio à decisão é agitada pela comentada instantaneidade e domínio do vídeo digital, assim sua mobilidade e sua dimensão espacial se reflete mais real do que a personificação de um julgador na partida em tempo e espaço real. Logo, a imagem real do juiz é contestada pelo o vídeo, já que o que seria real para o juiz se torna errôneo. É a realidade do vídeo se sobrepondo a realidade do homem, no caso o juiz. Assim, a imagem virtual se torna mais real do que a visão orgânica humana. Outros casos de mesma origem já aconteceram, como o gol de mão do Maradona, em 1986 na Argentina, onde a ação foi captada pelas câmeras e não reparado pelo o olhar do juiz da partida. Muitos dizem que esse árbitro permitiu esse gol não só pela falta de percepção visual, mas também por questões políticas, já que o país havia sido derrotado na guerra das Malvinas e necessitava de um animo em dimensões nacionais. Qual seria, então, o melhor método para elevar a auto-estima de toda uma nação? A vitória e satisfação audiovisual de um gol do símbolo cultural máximo da Argentina em uma tela de TV! Isso tudo ao vivo.

Mas nem sempre essa instantaneidade e agilidez foram possíveis na comunicação. Se essa partida entre Inglaterra e Alemanha fosse realizada em 1950 os gols não validados pelo o juiz passariam para alguns despercebidos. Isso seria provocado não só pela falta de equipamentos e câmeras mais modernas, mas também porque as transmissões nessa época eram ao vivo e não tinham capacidade de armazenamento e nem torres de transmissão continua, dificultando a relação posterior e repetitiva da imagem com o espectador televiso, como ocorre hoje no site youtube.com, por meio de cálculos numéricos dos pixels emparelhados em telas cada vez menores. Visando diminuir esses problemas técnicos a FIFA deve implementar nas próximas copas e jogos chips nas bolas, que indicaram se ela entrou ou não no gol, além de diversas câmeras nas angulações do trave do gol, assim como já fazem no basquete, onde o time pede para ver a revisão do lance, caso se sintam prejudicados pela decisão do juiz. E na formula 1 e em corridas em geral, onde a vitória é decidida frames a frames para analisar qual corpo ultrapassa a linha que marca a chegada.

Referências e Fontes:
COUCHOT, E. "Da representação à simulação: evolução das técnicas e das artes da figuração". In: Imagem máquina: a era das tecnologias do virtual. Org. André Parente. Rio de Janeiro, Editora 34, 1993. p. 37-48.
MACHADO, ARLINDO, Arte e Mídia, 2.Ed., Rio de Janeiro: Editora Jorge Zahar, 2008
CARRIERE, JEAN-CLAUDE, A Linguagem Secreta do Cinema, 1.Ed. Rio de Janeiro, Editora Nova Fronteira. 2006

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