21 de maio de 2011

Cinema: O Caçador de Trolls


Por: Lucas Sá

Filme Norueguês que se manifesta como a tendência do cinema independente no cinema atual, a câmera-personagem. Fiquei com um pé atrás antes de vê-lo, O Caçador de Trolls? Um nome bastante peculiar e no máximo inusitado para um filme de origem norueguesa. De princípio o título me remeteu a mais um trash entre tantos outros, certa nostalgia em relação aos clássicos dos anos 70/80. Mas não é bem assim, o filme se mantém no território do real, que para atribuir com maior impacto esse "real" utiliza a filmagem documental, já tão explorada desde o inovador A Bruxa de Blair.

O diretor André Øvredal se cerca a todo instante de uma mitologia imaginária que no filme se torna cada vez mais verídica e consistente em sua proposta. O número de detalhes e rumores sobre as criaturas são colocados na trama com cuidado e sem se torna alegórico a ponto de se tornar risível, é nesse ponto que o filme se distingue do trash em seu conteúdo, que no caso, é trazer risos fáceis através das tragédias negras dos personagens. O Caçador de Trolls acredita em sua própria criação, se leva a sério, e a medida que essa "religião" dos trolls cresce no roteiro o espectador se convence do absurdo da história, digo isso por minha experiência com o filme, em nenhum momento duvidei da existência dessas criaturas nojentas e grotescas, me questionava é claro, mas nunca desaprovando as criaturas que só aparecem durante a noite. O filme se apega a inúmeras burocracias para manter a origem da existência desses monstros, criando institutos fantasmas, a EST (Instituto de Segurança de Troll), que impedem que outros "humanos" descubram os trolls na mata, esses enganam os jornalistas e a mídia por meio de ursos mortos ou furacões inesperados. A mentira da política controlando a mentira da mídia, que essa por sua vez, nos controla. Os detalhes que mencionam são fundamentais para sustentar a veracidade das criaturas, o roteiro do próprio diretor, André Øvredal, se enriquece na medida em que implementam nas ações a forma de convívio ou de combate das criaturas, se mantendo bastante aliado a ciência e mitologia dos seres, como na falta de vitamina D no sangue dos trolls, por isso, ao entrarem em contato com os raios ultravioletas ou se calcificam ou explodem por meio de gases que se formam em seus intestinos. Outro fato relevante é o cuidado para com os "monstros" em relação aos seus nomes científico e hábitos selvagens. A divisão entre espécies podem ser classificadas como dois tipos, os trolls da montanha e os da floresta e os subgrupos são chamados de Raglefanten, Tusseladd, Rimtusse, Dovregubben e Harding. Todas essas informações são emitidas pelo o único caçador de Trolls da Noruega, Hans, ao qual os documentaristas o consideram como um herói nacional. A figura de Hans (Otto Jespersen) é séria e robusta, talvez seja um dos fatos de nós, espectadores, confiarmos nele e nas suas histórias e informações, como a sua descrição sobre um troll de três cabeças que acabaram de combater, ele afirma em um bar que somente uma cabeça pensa, a do meio, as outras nascem ao longo de sua vida, que varia de 1000 a 1500 anos, essas pseudo-cabeças são uma forma de se defender dos predadores e chamar a atenção das fêmeas para a cria, ou seja, que merda é essa?
Mas não é só essas informações que insistem pela a idéia de realidade das imagens filmadas. A câmera-personagem, como disse, é uma tendência forte do novo cinema independente, sobretudo no gênero do horror. André Øvredal foi esperto na escolha dessa forma de narrativa, o baixo orçamento, que é um grande problema nas produções mais experimentais, foi a fonte determinante para fixação desse estilo de contar histórias no cinema. Em O Caçador de Trolls a narrativa "Blair" é o grande ventríloquo do longa, que ao mesmo tempo que permite uma maior economia de gastos ajuda a intensificar o tom realista da obra, unindo assim, o útil ao agradável, o mais barato ao mais real. O longa se assemelha em alguns momentos a temática/forma de Cloverfield, de Matt Reeves, no assunto de criaturas gigantescas e arrebatadoras, mas a experiência proposta por André Øvredal é menos caótica e urbana, o filme é até mesmo desapegado a isso, é mais naturalista e contemplador. Mesmo com a câmera tremula na mão de seu operador, o longa consegue captar belas imagens da paisagem montanhosa da Noruega, a câmera do alto das montanhas filmando as cachoeiras e as rochas chega a ser mais impressionantes do que as criaturas em si, um filme rústico, porém bonito. É interessante, no sentido mais técnico, ver a relação dos documentaristas com os seus equipamentos. A garota do "boom" está sempre grudada com sua ferramenta e atenta aos ruídos, o câmera sempre fica atrás do visor, mal o vemos ou ouvimos sua voz, e o repórter/diretor está sempre a frente liderando o grupo, a clássica hierarquia do cinema. Em uma das cenas o câmera chega até a "bater o branco" em uma folha branca para captar a cor natural do ambiente, mas isso é aspecto mais acessível a quem faz cinema ou vídeo como profissional, fica isso caso algum operador de câmera esteja lendo este singelo artigo.

O tom do filme é de suspeita. O clima na floresta não chega a ser agonizante, mas causa certo incômodo claustrofóbico. Noruega, gelada e úmida. As belas imagens filmadas pela câmera, já comentadas, nos dão a sensação de solidão ao meio de rochas montanhosas e de árvores gigantes, a criatura em si não é assustadora, a sua ausência gera mais impacto do que sua forma física, são monstros bobos e idiotas, chegam a ser atrapalhados, como o próprio caçador Hans afirma. O Caçador de Trolls não se apega ao clima de horror como em filmes do mesmo gênero, se é que posso chamar esse estilo de filmagem de gênero, como em Rec ou O Último Exorcismo, a tendência de André Øvredal vai mais pelo realismo psicológico do irreal do que o "medo" propriamente dito, ele quer que nós acreditemos nesse universo, e consegue. Posso ver certa semelhança entre O Caçador de Trolls e o filme Por Trás da Mascara, onde a intenção se realça mais na experiência do cinema como alcance de fatos reais do que para com o susto ou a agonia macabra.

O que me deixou mais intrigado na relação entre trolls e humanos foi a revolta das criaturas em relação aos cristãos. Hans pergunta logo de princípio se tem algum membro da equipe de filmagem que é cristão, todos respondem não. Os trolls se tornam raivosos com pessoas cristãs perto deles, mas como um troll saberia se um humano é cristão ou não? Meio absurda essa abordagem, mas pode ser levado como questões mais subjetivas da obra. Hans na sequência final chega a atrair um enorme troll a sua armadilha através de músicas religiosas em alto volume. Afinal qual seriam as intenções de André Øvredal a colocar esse questionamento no filme? Bom, eu não sei dizer, mas sei que isso pode ser visto como uma forma de ironia ao que o homem acredita ou não. Testando a fé (Deus) em relação as criaturas que existem só no filme e nos livros, os trolls. "Acredito em trolls, mas não em Deus!". Essa ironia realista prevalece até o fim dos créditos finais, com a frase:

" NENHUM TROLL FOI FERIDO DURANTE . AS FILMAGENS "

3 comentários:

  1. muito bom!!!!

    até que fim aluém que se preocupa em fazer uma crítica ao invés de criticar apenas!

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  2. Obrigado pelo elogio Wagner!
    Espero que goste do próximo artigo que estou escrevendo, sobre o filme LADY SNOWBLOOD, ótimo longa japonês!

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