27 de novembro de 2010

Cinema - Entrevista com Felipe M. Guerra

Por: Lucas Sá e Lucas Abreu

Muitos cineastas vêem o cinema de horror/terror como um gênero menor, mas alguns ainda persistem em fazê-lo por não encontrarem nos filmes o que realmente procuram.

No Brasil, vem aparecendo novos diretores deste gênero bastardo, que ainda é muito discriminado no país. De duas décadas para cá, vários cineastas e festivais no ramo se destacaram no cenário underground, como o diretor Felipe M. Guerra. O qual realizamos uma entrevista exclusiva sobre filmes, influências, dentre outros assuntos.


Lucas’s Ville: Da época que você começou a exibir seus curtas em festivais para cá você percebeu algumas mudanças em relação a qualidade e até mesmo a exibição dos curtas? E o que espera dos novos que estão surgindo, como o ESPANTOMANIA e o FAM- Curtas Guarulhos?
Felipe M. Guerra: Uma coisa interessante, hoje, é que existem mais festivais. Mas uma coisa nem tão interessante é que a maioria dos festivais ainda tem muita frescura, com tantas exigências que até desestimulam a participação. Diversos desses eventos não aceitam filmes gravados em mini-DV, por exemplo (apenas HD para cima). Isso limita o espaço para quem ainda é muito independente. E convenhamos que é até ridículo você passar o seu curta barato feito em casa, gravado em mini-DV e com a sua avó no papel principal, na mesma sessão de um curta profissional como o "Ninjas" do Dennison Ramalho, que tem tudo do bom e do melhor. Mesmo que já existam alguns eventos voltados exclusivamente a essa produção, digamos, "menos profissional" (como a Mostra Cinema de Bordas, do Itaú Cultural), eu lamento o fato de que ainda se consegue pouco espaço em festivais de cinema. Espero que esses novos festivais que estão surgindo se tornem uma vitrine para os talentos que estão surgindo, como já são, hoje, o Fantaspoa, em Porto Alegre, e o CineFantasy, em São Paulo. Se nomes talentosos como Rodrigo Aragão e Joel Caetano foram descobertos, acho que é principalmente por causa desses festivais.

L’sV: Quais filmes e diretores o levaram a fazer filmes?
FMG: Eis uma boa pergunta. Eu sempre quis fazer filmes, desde criança. Brincava com meus Comandos em Ação "dirigindo" filmes imaginários, com começo, meio e fim. Na época, era muito difícil as famílias terem câmera, e ninguém nem sonhava que um dia você poderia filmar com sua câmera fotográfica digital ou telefone celular. Mas eu acho que duas grandes influências foram Ed Wood e Quentin Tarantino. Quando vi "Plan 9 From Outer Space" pela primeira vez, por exemplo, lembro que fiquei com a maior vontade de fazer o meu próprio filme depois - não parece tão difícil depois que você vê os filmes do Wood! E eu gosto desse lado do Tarantino de citar personagens, diálogos e cenas dos milhares de filmes bagaceiros que ele viu na vida. Muita gente nunca teria ouvido falar em Sonny Chiba e Enzo G. Castellari se não fosse pelo Tarantino. A propósito, o Peter Baiestorf também foi uma grande influência para que eu começasse a dirigir meus próprios filmes, porque me mostrou que era possível fazê-los em VHS sem orçamento algum.

L’sV: Sendo um cineasta independente, como você vê essa relação desses realizadores privilegiarem homenagens em seus curta e filmes à diretores e longas consagrados?
FMG: Não vejo problema algum com isso. Eu mesmo adoro citar e homenagear os filmes e diretores de que gosto. Por exemplo, em "Patricia Gennice", meu primeiro longa, os bandidos assistem a uma cena de "The Beyond", do Lucio Fulci, na TV. Em "Canibais & Solidão", citei várias vezes o ciclo italiano de filmes sobre canibalismo. E por aí vai. Esses dias um repórter me perguntou se eu não sentia que estava copiando outros filmes e realizadores, e eu respondi que, se fosse simples assim, o Tarantino ia ser o maior copiador da história, e o Brian DePalma não passaria de um mero plagiador do Hitchcock.

L’sV: No seu novo curta, “Extrema Unção”, nós podemos notar uma veia mais séria, até então desconhecida em seus projetos passados, você pretende continuar nessa vertente mais formal?
FMG: Não. Logo vou lançar o “Entrei em Pânico ao Saber o que Vocês Fizeram na Sexta-Feiras 13 do Verão Passado Parte 2" (em julho de 2011), longa em que volto para a palhaçada assumida. "Extrema Unção" foi uma experiência, um teste para ver se eu conseguiria fazer um filme de terror "sério", sem gracinhas ou auto-referências. Eu até gostei do resultado - e ouvi/li muitos elogios também -, mas não acho que conseguiria fazer, por exemplo, um longa inteiro sério desse jeito. Porque eu sou naturalmente palhaço e brincalhão, e gosto das coisas bem-humoradas. O próprio "Extrema Unção" tem umas piadinhas de humor negro, como a cena da dentadura. Mas valeu pela experiência. Provavelmente vou filmar mais um ou dois curtas "sérios", e depois volto para a avacalhação.

L’sV: Já recebeu alguma proposta para produções de maiores orçamentos?
FMG: Nunca. O único convite que já recebi na vida para fazer algo "por encomenda" foi uma proposta para dirigir um filme pornográfico em 2003, que eu não aceitei por achar que não conseguiria fazer o trabalho sem rir. Na verdade, eu nem sei o que faria com um orçamento maior. Provavelmente locar equipamento melhor e pagar a equipe (pois nunca paguei nada para meus colaboradores). Mas não iria querer fazer nenhuma superprodução ousada ou complicada, porque não é a minha proposta. Eu jamais faria um "Avatar", por exemplo. Pelo contrário, provavelmente filmaria uma produção barata e desviaria a maior parte do orçamento do James Cameron para o meu próprio bolso. Então, se algum maluco ler essa entrevista e quiser me dar uns milhões de reais para fazer um filme, eu acho que vou fazer algo parecido com o que faço agora, só que melhor tecnicamente, sem exageros ou efeitos complicados. E provavelmente ia sobrar dinheiro no final. O único projeto que eu realmente queria ter dinheiro para filmar é o meu bangue-bangue. Tenho um roteiro escrito, mas é uma coisa épica. A história se passa no século 19, nos tempos da imigração italiana no Rio Grande do Sul, e preciso de verba para fazer toda a reconstituição de época (figurinos, construção de cenários, de objetos de cena). Fora isso, acho que muito dinheiro só atrapalha, trava a criatividade e tira toda a graça do improviso. Sam Raimi e Peter Jackson que o digam!

L’sV: Em alguns filmes seus, há o uso mais acentuado da maquiagem e efeitos especiais. Por exemplo, em algumas cenas do filme “Entrei em Pânico ao Saber o que Vocês Fizeram na Sexta-Feiras 13 do Verão Passado”. Exigiram algum profissional para os efeitos?
FMG: Eu e meus irmãos, Rodrigo e Diego, sempre fizemos os efeitos de maquiagem nos meus filmes, e é aquela coisa improvisada e barata com acessórios fáceis de conseguir. Desde que comecei a fazer filmes, me espantei com a facilidade que você tem para "enganar" o público. Uma trucagem tosca, como um facão cortado no meio e preso na barriga de alguém com suco de groselha por cima, já é o suficiente para revoltar o estômago de algumas pessoas! Porém, para as filmagens de "Entrei em Pânico Parte 2", resolvi convidar um maquiador profissional, o Ricardo Ghiorzi, para fazer alguns dos efeitos mais complicados. Afinal, ao fazer a continuação de um filme, você tem que mostrar muito mais do que o original. E como eu não conseguiria improvisar cabeças decepadas, serradas no meio e outras coisas nesse nível com nossos efeitos toscos, contratei o Ghiorzi, cujo trabalho é muito bom (você pode conferir no site dele, (www.flogao.com.br/ghiorzi). Infelizmente, a minha falta de verba não possibilita ter sempre um especialista em FX para ajudar nos filmes, mas eu adoraria trabalhar com efeitos melhores e mais elaborados. Meu sonho é um dia poder fazer um filme repleto de criaturas melequentas e mutilações diversas como "Evil Dead" ou "O Enigma do Outro Mundo". E eu nunca, mas nunca mesmo, pretendo fazer esse tipo de efeitos no computador! Tira toda a graça da coisa!!!

L’sV: Normalmente trabalhar com baixo orçamento obriga os diretores a improvisarem utilizando a criatividade. Qual truque mais mirabolante em relação ao gore e efeitos já utilizou em cena?
FMG: Bem, um dos truques mais mirabolantes foi usado em “Entrei em Pânico ao Saber o que Vocês Fizeram na Sexta-Feiras 13 do Verão Passado”. Tinha uma cena em que um rapaz morria com uma torneira enfiada no pescoço, por onde todo o seu sangue era drenado. No roteiro era lindo, mas eu não conseguia grudar a torneira no pescoço do infeliz de jeito nenhum! Tentei cola, silicone, massa, de tudo... No auge do desespero, como a torneira não parava no pescoço, resolvi usar um truque dos tempos do cinema mudo: deitei o "ator" no chão, coloquei a torneira de pé no seu pescoço, de uma forma que ficasse paradinha, e filmei com a câmera virada, como se o cara estivesse de pé! Vendo a cena, nem se percebe que o sujeito, na verdade, estava deitado no chão! Outra cena em que tive que improvisar foi em "Canibais & Solidão", quando o protagonista sonha que arranca as tripas de uma garota. Eu filmei o "ator" arrancando umas tripas da barriga da "atriz", mas não ficou nojento o suficiente. Então descobri que a família de um amigo iria matar um porco para fazer salame (à época eu ainda morava no interior do RS). Fui até lá e filmei uns planos de detalhe dos caras arrancando os órgãos internos do porco, e coloquei uns inserts bem curtinhos na cena, para parecer que era a menina sendo esquartejada. Não ficou exatamente realista, mas pelo menos ficou nojento, e acho que funcionou dentro da proposta tosca da coisa.

L’sV: A respeito dos equipamentos utilizados nas suas produções. Tu podes comentar a respeito do equipamento que você utilizava, para o que você utiliza hoje? E o que você acha dessas novas possibilidades tecnológicas na produção de curta?
FMG: Comecei a filmar em 1995, usando câmeras VHS e editando os filmes em dois videocassetes (o primeiro passava a fita, o segundo gravava/pausava na ordem linear). É a maneira mais tosca e difícil de edição, então você imagine fazer um filme de duas horas, como o “Entrei em Pânico ao Saber o que Vocês Fizeram na Sexta-Feiras 13 do Verão Passado”, desse jeito. Em 2006, para o "Canibais & Solidão", eu comprei uma placa de captura de vídeo e comecei a editar no computador. De 2009 em diante, estou filmando em mini-DV e editando no computador. Mas vou te confessar um negócio: por mais que a edição com dois videocassetes fosse trabalhosa e porca, parece muito mais simples que editar no computador! O que dá de problema não tem explicação!!! Já perdi noites em claro por causa da informática, que supostamente deveria facilitar a vida do cara. Por exemplo, a estréia de "Canibais & Solidão", em 2006, teve que ser cancelada (quando todos os espectadores já estavam na sala do cinema da minha cidade, sentadinhos e esperando) porque a renderização do vídeo deixou o som fora de sincronia com o vídeo, e eu só percebi isso tarde demais! Poderiam inventar uma forma mais fácil e prática de editar, e o computador devia tornar o processo mais simples, e não mais estressante. Agora, o grande diferencial de 1995 para hoje é o advento da internet, principalmente de sites para vídeos, como o YouTube. Ao mesmo tempo em que isso fodeu com os realizadores independentes (porque torna muito difícil a venda dos trabalhos, como se fazia no passado), o YouTube dá ampla visibilidade e divulgação, permitindo que seus filmes sejam vistos e conhecidos por um público ainda maior. E, no fim, é disso que se trata: de fazer filmes para serem vistos.

L’sV: Para finalizar. Você já consegue viver só de cinema ou tem alguma outra atividade paralela?
FMG: Poucos conseguem viver só da arte no Brasil. Aliás, se nem o José Mojica Marins, sendo quem é, conseguiu ou consegue viver de cinema, imagine eu! Isso não acontecia nem nos tempos em que se tinha retorno financeiro com os filmes (através das vendas de VHS e DVD). Hoje, quando você nem consegue mas vender os trabalhos porque todo mundo só quer baixar na internet ou ver de graça no YouTube, a situação fica ainda mais complicada. Na verdade eu sempre tive atividades paralelas: antes trabalhava como jornalista, agora faço bicos variados, mas adoraria viver só do cinema, seja dos meus filmes ou de escrever roteiros para outros - até porque tenho mais idéias do que tempo para filmá-las! Na verdade, viver só do cinema é o meu sonho, e o de muita gente por aí. Talvez tenhamos nascido no país errado...

Um comentário:

  1. ai Lus (sim,os dois) q demais, eu ainda não o conhecia...valeu..adoro filmes do gênero e eu ainda tenho o mesmo sonho dele! um dia chego lá,rs

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