15 de maio de 2011

Curta: UM RAMO (2007)


Por: Lucas Sá

Um Ramo é um curta-metragem de 2007 dirigido pelos diretores "parceiros" Marco Dutra e Juliana Rojas e chegou a ser selecionado e premiado nas mostra paralela do Festival de Cannes, a Semana da Crítica, ao qual recebeu o prêmio Découverte Kodak de melhor curta-metragem. Esse ano a colaboração mutua de Dutra e Rojas se apoia em um novo projeto, desta vez o longa Trabalho Cansa, que lhes proporcionaram novamente a ida em Cannes, concorrendo na mostra Um Certo Olhar (Un Cert Regard) que revela diretores mais experimentais em sua linguagem. O filme já foi exibido na mostra, se não me engano na sexta-feira, e tiveram no fim da sessão aplausos, o que é uma honra vinda dos espectadores carnívoros de Cannes, os críticos! Vejo essas mostras paralelas de Cannes como uma escada de reconhecimento, onde cada vez que o realizador se enquadra em uma certa mostra ele se aproxima de sua "garantia" na seleção para a almejada Palma de Ouro. Foi assim com Apichatpong Weerasethakul, Xavier Dolan e Michael Haneke.

Em Um Ramo, os diretores nos guiam por uma família de classe média e seu cotidiano. Algo bem típico do cinema nacional, mas a grande diferença em sua forma fílmica é a implementação de um elemento quase esquecido pelo nosso cinema, salvo alguns filmes recentes como Estômago e Nina, que no caso é o mistério. A construção da personagem central é simplista e observatório, nem câmera e a edição interferem de forma significativa no tom realista que permeia durante todo o curta. Clarisse em seu banheiro começa a perceber diferença em seu corpo, uma folha verde sai de seu pulso, isso não é normal, mas de início não se entrega a essa modificação. Essa deformação corporal cresce aceleradamente, Clarisse se desespera, mas mantém a calma, o seu comportamento civilizado. Um ramo passa a se alojar em seu corpo, e é a partir desse terreno que Dutra e Rojas unem o realismo do cinema nacional com o fantástico e o irracional. Esse elemento típico de filmes de horror, em Um Ramo, se coloca como algo natural e aceitável, algo real. E o que fixa essa idéia de realismo em um meio que flerta com os filmes B/trash é justamente a montagem e a forma de filmagem, já comentados, mas além desses dois elementos a atuação do elenco é outro fator que ganha força nessa ilusão do real. Os atores Helena Albergaria e Marat Descartes atuam com simplicidade sem o abuso de técnicas teatrais, em menos de vinte minutos mostram-se excelentes atores, parceria que deu certo, já que ambos são novamente os protagonista do novo filme da dupla de diretores, Trabalho Cansa.

Clarisse está se degradando racionalmente e fisicamente por folhas, plantas e raízes. Seu corpo se relacionando com a natureza da forma mais agressiva possível, seu relacionamento com o homem em cada plano se torna mais difícil e distante, já com os animais e o verde ela se torna atraída . Em várias cenas minimalistas pode ser percebida essa interação homem-natureza, como nos primeiros minutos onde Clarisse pega um pássaro que entra pela janela do quarto de seu filho e o joga pela janela, a sua atenção para uma notícia de jornal de uma baleia encalhada em uma praia, uma mulher chorando enquanto corta uma cebola, e a sua preocupação para com o peixe do filho. O peixe é um caso especial no filme, nos planos dá a entender que o peixe do filho se jogou do aquário e morreu. Assim, Clarisse vai até uma loja especializada e compra um peixe parecido com o anterior, e enquanto come com o seu marido fala, "Será que ele vai perceber?". Mais adiante o seu filho começa a bater no vidro do aquário e Clarisse arrogantemente lhe diz para parar de bater e não dá comida para o peixe se não ele morre, a câmera nos revela ainda que este aquário está mal arejado e cheio de musgos e limo, cheio de VERDE. De alguma forma isso afeta subjetivamente Clarisse, ou seja, ela se complementa com esse universo orgânico da natureza, esquecendo por vezes de seu controle social padrão.

Clarisse e sua paranóia egoísta. Seu corpo sangra, faixas brancas de ataduras e algodões são enrolados em seu corpo, cada vez mais suas roupas cobrem sua pele, de camisetas passa a usar blusões e moletons esverdeados que escondem suas feridas e seus ramos. Essa perturbação física que interage com o psicológico ganha referências em filmes como Possuídos (Bug) de William Friedkin e Cisne Negro de Darren Aronofsky. Em Possuídos dois personagens, um homem e uma mulher, se martirizam por acreditarem que seu corpo está sendo invadido por insetos de todas as espécies, em uma viagem ao esquizofrenismo e ao bizarro. Talvez se Um Ramo se alongasse e se tornasse um "filme" teríamos chegado a este estágio, mas não, ele se contenta em sua proposta. Clarisse volta ao banheiro de início, dessa vez sem cobrir seu corpo, nua, debaixo do chuveiro ela "rega" seus ramos como um quadro, aceitando sua diferença, ela vira seu rosto e olha fixamente para a câmera, para nós, se perguntando "o que está acontecendo?". Um Ramo, para mim, ainda continua uma incógnita. (?)

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