30 de abril de 2011

Cinema: A Narrativa do Invisível

Por: Lucas Sá

A linguagem do cinema nem sempre foi concisa em sua forma. O espectador, que de início era apenas um objeto a frente de uma tela, não tinha aparatos ou bengalas para se segurar na tentativa de compreender tais imagens em movimento. Logo, surge por meio de colaboradores cinematográficos, uma revisão de sua linguagem, que ainda era prematura, como nos chamados “filmes de mostragem”, dos irmãos Lumière, onde estes, apenas "mostravam" ou apontavam a objetiva à ação natural, sem um sentido narrativo implantado. É nesse contexto que surge o desejo de se ter um cinema como arte, sendo Meliés o primeiro a perceber as vantagens alegóricas que a parafernália filmadora era capaz, incorporando suas técnicas de ilusão, que são fundamentais para a imersão do olho, nas filmagens de seus curtas ilusionistas, que nos enganam visualmente a todo o momento.

Assim, o chamado primeiro cinema (1985 - 1915) é rompido por técnicas que elavam o cinema ao seu status de arte, que tanto os burgueses e a escola impressionista desejavam, se distanciando assim, do conceito de que o cinema era um teatro filmado, ao qual muitos o julgavam. Os espectadores do período viam a cena apenas como um ator que ao se deslocar para fora do quadro (tela) estava nos bastidores do teatro, ou seja, o espaço atrás da câmera é uma desconstrução da imagem que se via, além disso, o cinema não tinha cor e nem som, o que fixa essa idéia de desdém por parte dos artistas e público da época deste primeiro cinema. É com Griffith que o cinema toma ares de arte, mesmo tendo realizadores que anterior a ele obtiveram sucesso na experimentação da narrativa, influenciando este desejo, como Edwin Poter, no considerado o primeiro faroeste e filme de perseguição, The Great Train Robbery (1903), e o já citado George Mélies, com o também considera primeiro filme de fantasia, Viagem a Lua (1902). É curioso falar que em ambos já se tem um forte apego a criação de uma linguagem narrativa para o cinema, como em O Grande Roubo do Trem, onde os planos sofrem variações de dentro e fora do trem, ocorrendo uma linearidade do tempo da ação. Sendo um filme de perseguição, estilo que contribuiu preciosamente para o nascimento da linguagem, O Grande Roubo do Trem se apega a um roteiro, como já disse, linear, onde se tem a apresentação dos bandidos, a perseguição do mocinho ou da polícia atrás dele, e por fim seu aprisionamento. É no memento da perseguição em si, que o filme se torna mais ativo em relação a montagem, dando a entender, a partir da sequência de diferentes planos a passagem do tempo e de espaço entre bandido e policial. Foi percebendo esses detalhes que Griffith cria a linguagem do cinema, ou como dizem: a gramática do cinema. Em 1915, Griffith lança seu filme, O Nascimento de uma Nação (1915), que é o precursor dessa "nova" forma de ver o filme, criando a montagem paralela (ou alternada), analítica e de contiguidade. Isso foi capaz de controlar e reeducar a lógica fílmica do espectador, principalmente a partir dos anos 20, que mesmo ainda com os chamados "Explicadores" ou Benjis (no Japão) já conseguiam compreender os sentidos que a câmera proporcionava através da técnica da montagem.
Depois de Griffith o cinema passou a se locomover aceleradamente, se aproximando do seu nascimento maquinal, que trabalha em séries constantes. Em relação às outras artes, o cinema é fruto de um período que cada vez mais requer agilidade, isso foi sendo transportado para suas técnicas de linguagem, onde tudo se desenvolve como uma bala atravessando um trem. A pintura e o teatro, para evoluírem, caminharam vários séculos, dando um passo de cada vez, escola por escola, tinta por tinta. Já no cinema isso é quase que anulando, tanto que em menos de meio século a sua linguagem já tinha avançado em grandes escalas, fixando elementos extras e implementando a sua "impressão de realidade", como a cor e o som. Portanto, através desse turbilhão de inovações, o cinema se torna cada vez mais sua gramática invisível, numa forma de transpor a "ilusão do real" ao espectador sem que ele se dê conta de que está sendo enganado ou traído. Um realizador descobre uma nova forma de transpor um sentimento, como a transposição do olhar do personagem para um sonho, ele dissolve em névoa a tela, dando um ar de desligamento, de sono. É assim que o espectador "ler" essa imagem, logo essa técnica que de início foi inovadora, será copiada por outro, e por outro... O que torna esse efeito banal, ou seja, invisível. Esses elementos da narrativa fílmica acabam sendo implementados no subconsciente do público, que permeia nos futuros filmes a partir da memória, é esse motor ligado no automático, o cérebro, que permite que o filme não seja aprendido, mas sim sentindo, se diferenciando assim da leitura, onde o indivíduo é forçado (sendo mais rígido no termo) a aprender a ler e a escrever para poder em seguida dominar a leitura. Logo, o cinema adquiri uma linguagem sua, que é facilitada por meio das outras formas de arte, que já haviam treinando o olhar individual para com as imagens em movimento, o que conclui-se que o cinema não é uma arte autônoma, ela necessita de outras vertentes para que seja compreendida em sua plenitude. Uma frase que Jean-Claude Carrière seleciona em seu livro A Linguagem Secreta do Cinema, de Jean Epstein, famoso teórico do cinema, resume bem essa conclusão: "A linguagem cinematográfica é específica do cinema". Mas eu incluiria ao fim: "Que depende de outras".

Mas e se essa capa invisível que o cinema persiste em vestir se tornar obrigatória ou enfadonha? Bom, é isso que ocorreu durante os anos 1950, e até hoje, como em Hollywood Land. A linguagem se desenvolveu de forma tão surpreendente que tudo o que era novidade se tornou banal e clichê, proporcionando uma melhor apreensão do espectador que começa a se sentir acomodado ao filme, com um pensamento de estar vendo mais um filme, um igual, um idêntico, um mesmo filme. Tendo apenas algumas alterações, como elenco, cenário ou diretor, mas é o mesmo filme. Logo, a linguagem que antes era inovadora, é apenas mais um detalhe, o que nos faz descartar os grandes clássicos e até mesmo os precursores desta narrativa, já que estes já se tornaram "comuns". Jean-Claude Carrière chega a citar que as primeiras faculdades de cinema ensinavam os alunos uma fórmula ditatorial para se fazer um filme perfeito, como: "Um filme não deve passar de 90 minutos", "o ator nunca deve olhar para a câmera", "um rosto sem expressão ou falas só deve durar apenas 48 quadros de fotogramas" e "nunca se deve colocar a palavra morte no título". Mas claro que isso não durou muito tempo, pois "uma linguagem perfeita é uma linguagem morta". É essa acomodação que gera certo incomodo aos mais experimentais do meio, como os inovadores da escola francesa Nouvelle Vague, que buscavam um desapego a está forma dogmática de se fazer cinema, sendo este classicismo um fator que privilegia a consciência rasa do espectador. Algo que ocorre com frequência na TV.
Não se pode mais apreciar uma bela imagem ou ter uma cena com um ritmo mais lento em um filme ou telenovela nos canais de TV, pois o espectador está sempre buscando um entretenimento superficial e rítmico, que não provoque uma nostalgia visual, pois apenas com um clique no controle remoto ele pode resolver facilmente o "problema", e a emissora perde mais um cliente. Sendo assim, como afirma Carrière em um de seus pensamentos, o telespectador se torna o próprio cinema, podendo editar/montar apenas com seu controle o que ele deseja ver naquele momento e naquela ocasião, escolhendo sua própria programação, o que para Federico Fellini, "é a criação de um ser arrogante, autoritário e neuroticamente impaciente". Mas o cinema se supera da máquina televisiva, pois a experiência fílmica (dentro da sala de cinema) é intocável. A exibição, sempre segue plena, sem interrupções, tendo toda a atenção do olho humano, que tanto Munsterberg idolatra em suas teorias, voltada para uma tela central. Assim, não se pode avançar ou recuar o filme, caso contrário ocorrerá uma quebra da experiência no espectador, fato que ocorre com frequência com o vídeo, que se alia da TV por seu desrespeito midiático.

O aperfeiçoamento da linguagem cinematográfica, além de proporcionar um estado de transgressão ao seu público, fez com que os realizadores se tornassem cada vez mais espalhafatoso, no sentido visual. Todo o elemento que foi sendo criando foi implementado na narrativa, mas o montante ou as acumulações dessas técnicas podem gerar, dependendo de suas dosagens, certo esquizofrenismo da imagem, que busca apenas o "enfeitar", e que se esquece de suas razões. Esse conjunto de técnicas, como a câmera lenta, efeitos digitais e filtros, se utilizados com intenções apenas de embelezamento, faz com que provavelmente a ação se torne esteticamente frágil e descartável, pois isso provoca o aparecimento do "visível" que foi conquistado anteriormente pelo "invisível", sendo assim, as entrelinhas são descartadas e arremessadas na tela como uma bola. O certo é ter uma dosagem entre o visível e o invisível, para se ter um equilíbrio estético desejável, mas claro que isso vai das questões formais de cada realizador. Tendo como exemplo, podemos citar alguns diretores contemporâneos, entre eles, Michael Heneke, que busca uma simplificação tanto da imagem quanto da montagem, em filmes como A Fita Branca e Violência Gratuita. Neste último, Heneke chega inclusive a flertar com essa questão do vídeo e do controle remoto, ou seja, até onde isso pode interferir na narrativa, tendo cenas em que até mesmo um dos personagens pega um controle remoto e volta a uma dada cena do filme. Outros diretores que souberam utilizar esse "meio termo" sem agredir a experiência fílmica foi Darren Aronofsky, com Cisne Negro e Réquiem Para um Sonho, e Lars Von Trier com Anticristo. Sendo Trier um caso á parte, pois sua filmografia é permeada por momentos de extremo realismo da imagem, que tentam anular qualquer "trucagem" visual, como em Os Idiotas e Dançando no Escuro, e em outros momentos, onde existe certa tendência ao apelo visual e digital, sendo que está pode ser considerado sua fase atual, com no já citado Anticristo, e no seu novo filme, que ainda não tem data de estréia, Melancolia.

''Há dois níveis de leitura em um filme: o visível e o invisível. O que você põe diante da câmera é o
visível. E se só houver isso, o que você faz é um telefilme. Os verdadeiros filmes, para mim,
são aqueles nos quais há uma espécie de invisível que só pode ser visto através daquele
visível (...)'' - Jean-Luc Godard, em entrevista para o livro Grandes Diretores de Cinema.

2 comentários:

  1. putz que blog horrível até tentei ler mas
    é de lascar essa diagramação, tipografia,
    cores.....putz tá tudo errado

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  2. É, muitas pessoas já reclamaram sobre a cor das letras do blog. Ao meu ver elas ajudam, a minha vista cansa mais com o clássico fundo branco com letras pretas.

    Mas obrigado pelo toque. Até.

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