A produção de uma obra cinematográfica carrega inúmeros e variáveis departamentos específicos. A trajetória do fazer fílmico inicialmente não se instala nas grandes proporções humanas e variados técnicos, como ocorre no momento de iniciar as gravações, que vai desde o set de filmagem, montagem, distribuição, telas dos cinemas e chegada do produto nas prateleiras das vídeos locadoras. O início, o ponto de partida, se desenvolve de uma idéia, mesmo que bem pequena. É a idéia a ação primordial para um encadeamento de pensamentos calculados que vão se moldando e criando formas, assim, o que era apenas um homem caminhando sob uma ponte tentando se matar, acaba se transformando em um grandiloquente filme dramático sobre a questão da fraca existência humana em uma grande cidade como Nova York. Esse homem passa a ter nome, família, emprego, perde o emprego, se envolve em um manifesto contra a prisão claustrofóbica do governo coreano, é preso, sai da prisão, e por fim faz um grande espetáculo final para que sua voz seja ouvida ao alto da ponte que liga o distrito de Manhattan com o Brooklin. Esse bobo exemplo mostra o desenvolvimento de uma idéia extremamente objetiva em algo que consequentemente, pela a persistência da mente, se transforma em um bolo de ações e situações que precisam ser moldados e trabalhados dramaticamente, sobretudo narrativamente, pelo o profissional da "escrita do cinema", no caso, o roteirista. O grande solitário coletivo das idéias.
O material físico do roteiro, ou seja, os papéis com cenas e diálogos do produto, são apenas palavras almejando serem imagens. Logo, não se permite que linhas e letras falem mais que o visual, uma questão bem discutida entre escritores em geral: o roteiro como literatura. A confusão deve se limitar na objetividade da imagem, se deleitar sob ela e não se entregar as emoções e sentimentos humanos, típicos dos romances clássicos. O ato da escrita deste tipo de texto torna o próprio roteirista mais frio em relação aos sentimentos subjetivos dos personagens e situações, claro, ele deve se apegar sempre a transpor esse sentimento obscuro do texto na imagem, tornando o ator e o seu espaço cênico o guia da subjetividade. Logo, o valor semiótico e observativo da figura do roteirista deve se espalhar como virose no papel.
O caráter frio e seco da leitura do roteiro é um fato que intriga vários escritores e os próprios leitores, que o julgam previamente como um texto sem emoção. A diferenciação da ARTE do cinema para a do roteiro é um dos motivos dessa frieza incrustada no texto, pois a FORMA acaba englobando a ARTE, algo que torna a linguagem do roteiro restrita a aquele ambiente de uso, a dos produtores e demais profissionais. Assim o texto se desenvolve a partir de etapas temporais, no caso as cenas, que são organizadas mediante a ação da trama central. É essa organização que propõem a está linguagem um caráter rigorosamente técnico que uni duas vertentes opostas, a palavra com a imagem, controladas pela figura do roteirista que além de um bom escrito deve ser também um bom cineasta. A técnica não se adquire sem conhecer em detalhes o seu meio de pulsação, ou seja, o bom e organizado roteirista deve ao menos se entender com as técnicas básicas do cinema, como o comportamento dos atores frente a câmera, enquadramento do espaço, e o mais importante, a montagem. O roteirista Jean-Claude Carriére, que já trabalhou em inúmeros projetos com o diretor surrealista Luis Buñuel, como em O Discreto Charme da Burguesia (1972) e Esse Obscuro Objeto do Desejo (1977), no livro Prática do Roteiro Cinematográfico, afirma que "o roteirista é - por necessidade, se não por gosto - muito mais um cineasta do que um escritor" (CARRIÉRE, 1990, p. 12).
Essa indagação demonstra a importância do domínio da técnica para se produzir um produto cinematográfico, esse domínio deve se manter desde sua origem, a "idéia" de partida que citei anteriormente, pois é a partir do roteiro sonhador (como muitos teóricos o chamam) é que a equipe terá contato com o que pode se tornar uma imagem final. A profundidade de interesse do cinema em relação ao roteirista é de certa maneira estranha, pois este geralmente é isolado do resto do grupo ativo de produção quando se inicia as filmagens, raramente o roteirista participar assiduamente a todas as etapas de produção de um longa, pois como é o ponto de partida e sua função é limitada ao papel, que é maleável e móvel, a sua participação se torna quase invisível quanto figura física no set. O próprio Carriére afirma haver de fato um distanciamento do roteirista com as demais etapas de produção, mas em seu caso, no início de sua carreira, foi diferente. Jacques Tati, com quem trabalhou a principio, o obrigou a sentar frente a montadora de seus filmes, Suzanne Baron, e ao seu lado tinha os roteiros dos filmes enquanto exibia as obras, o objetivo era analisar o roteiro e o filme, mais precisamente o corte, o que sai daqui e vai para ali, a manhã que se torna noite, o ano que é décadas. Assim, esse “exercício”, palavra chave para os roteiristas, é uma forma de perceber o cinema como forma e linguagem, se influenciando e se inspirando por ela.
O que Jacques Tati lhe propões é treinar o olhar do leigo para um desenvolvimento interno do roteirista, lhe indicando a idéia de tempo e sucessão de planos para que sua escrita, ainda prematura, se posicione de acordo com o filme, com a imagem. Assim, com essas técnicas temporais e rítmicas adquiridas, o roteirista passa a importar o corte invisível em sua escrita, propondo direcionamentos a decupagem e a montagem, passando a ser o "primeiro" montador do filme, pois este serve como um guia para a montagem. Este plano sai deste que vai para este, daquele para o outro. Esse contato direto comporta uma vertente ainda mais pessoal, o treino de um olhar sensível e sofisticado para a arte cinematográfica, gerando um apelo estético e conceitual mais abrangente, que além dessa forma, a do laço entre roteirista e produção, é possível ser exercitada (mas uma vez a palavra chave) vendo muitos e diferenciados gêneros de filmes. É plausível também que este saiba ter noções de orçamento, para que as ações do roteiro, e de sua criação pessoal, não extrapolem o provável em relação ao modo de produção, o orçamento.
Implementando a questão da união das equipes, o roteiro não é algo fixo em uma só unidade, a variadas formas de escrevê-lo captando quesitos de pontos de vistas variados, que por fim formam apenas uma só corrente. Seguindo o padrão europeu de se fazer cinema, ou seja, a busca de todas as unidades de produção unidas intimamente com o diretor da obra (o que é bem diferente na indústria hollywoodiana), o roteiro pode ser desenvolvido por grupos, como o produtor e o roteirista, sendo que na maioria das vezes essa fórmula visa, sobretudo, a grande bilheteria. Neste caso, o produtor entrega a "idéia" ou um breve argumento para o roteirista, escolhido por seu gosto em relação seu potencial e domínio do gênero sugerido. A partir dai o roteirista tem períodos de revisões, que faz juntamente com o produtor para a aprovação do andamento, e prazos específicos para a entrega finalizada do tratamento do roteiro. Geralmente isso ocorre ao contrário quando o roteirista trabalha por si só, sem previsões e grupos, mas é um risco que corre, pois o escrever "por conta própria" pode muitas vezes significar a não feitura do filme, caso não encontre produtoras interessadas em comprar os direitos do roteiro.
A parceria, diretor e roteirista, é de fato a mais interessante das formas de escrita de um roteiro, pois o encontro de ambos instaura olhares que se complementam por si, o lado visual da direção e a criatividade e montagem intuitiva do roteiro. Isso oferece um controle maior por parte de ambos na produção e filmagem, já que é comum o diretor (e até mesmo os roteiristas) não compreender ou negar o clima que o filme precisa, ocorrendo até mesmo a exclusão de cenas decisivas durante o processo.
Mas se for analisado o roteirista como um profissional único que trabalha só em seu roteiro, sem a parceria de produtores, diretores e outros roteiristas, a tendência é intuitivamente perceber que este profissional nunca trabalha só, em nenhum momento. Ele capta constantemente informações do exterior ao seu redor, das pessoas que o circundam, das conversas nos ônibus, das fofocas da fila do supermercado, e assim vai.
O roteirista primeiro escuta os outros para em seguida usá-los.
O roteirista primeiro escuta os outros para em seguida usá-los.
Referências e Fontes:
CARRIÉRE, Jean-Claude / BONITZER, Pascal. Tradução de Teresa de Almeida, Prática do Roteiro Cinematográfico. 1. Ed. São Paulo: JSN Ed., 1996
CARRIERE, Jean-Claude, A Linguagem Secreta do Cinema, 1.Ed. Rio de Janeiro, Editora Nova Fronteira. 2006s
Nenhum comentário:
Postar um comentário