Hoje se tem o estudo do tempo no cinema mais focado na forma de duração numérica, ou seja, o tamanho dos planos em relação à montagem. Filmes como o brasileiro Ainda Orangotangos (2007) e o russo Arca Russa (2002), de Gustavo Spolidoro e Russki Kovtcheg, são sublimes exemplos dessa utilização do tempo no cinema contemporâneo. Esses dois longas se submetem em filmar a ação de forma continua sem pausas na gravação, buscando um plano sequência que torne a narrativa completa e verossímil ao seu tempo, o tempo real. Essas façanhas técnicas, o plano único, só foram possíveis com o advento das câmeras digitais, que permitem a gravação de horas em uma única fita ou arquivo, sem a necessidade de constantes interrupções como ocorre na película. A capacidade móvel e peso leve das novas câmera digitais permitiu que diretores pudessem inovar nos movimentos de câmera e nas viagens pelo o espaço cênico serem mais viáveis em relação a parafernália de equipamentos utilizados nas filmagens em película (tiro dessa afirmação Irreversível, de Gaspar Noé, que mesmo com a filmagem clássica conseguiu movimentos de câmera e tempos bem mais elaborados e impactantes), fato que prejudicou bastante a idéia original de Festim Diabólico (1948), de Hitchcock, já que o que era para ser um único plano sequência se tornou 8 longos planos invisíveis, pois as bobinas de película da época só filmavam 10 minutos no máximo.
O tempo nesses filmes, assim como em A Casa Muda (2010), filme de horror uruguaio, estão para a afirmação fiel do tempo em relação à ação, é o tempo se submetendo a imagem. Assim, no cinema atual, o que interessa mais é a possibilidade de um maior realismo e diminuição da técnica da montagem para torna a experiência fílmica mais intimista e acreditável para o espectador, como nos longos planos das obras de Michael Haneke e em Mãe e Filha (2011), de Petrus Cariry. Indo contra essa corrente, a do tempo se submetendo a imagem, existe o estudo e a prática da deformação da imagem sendo mediada pelo tempo, ou seja, o rastro do tempo se dilatando na imagem seja fixo ou em movimento. O caráter desse olhar é da criação de distorções, criando uma verdadeira indústria de monstros e aberrações visuais.
A este tipo de formação de imagem, o teórico e estudioso brasileiro Arlindo Machado a chamou de: Anamorfose Cronotópica. Classificação que estuda a deformação e mudança (anamorfose) no espaço e no tempo (cronotópica). Essa analise precisa da passagem temporal vem desde o Renascimento, onde a burguesia da época almejava o que há de mais real e cientificamente correto possível. É a partir desse desejo que se iniciam os experimentos da imagem que levaram o desenvolvimento da arte cinematográfica, como o estudo do movimento das patas do cavalo pelo fotógrafo Eadweard J. Muybridge, onde ele queria provar por meio de doze, depois vinte quatro e depois trinta câmeras que tiravam fotos sucessivas, que as quatro patas de um cavalo, em um dado momento, se mantinham no ar sem tocar a terra. E conseguiu! Outro que seguindo o seu antecessor se interessou pelo movimento das coisas naturais foi Étienne-Jules Marey, que no ano de 1882 cria o chamado "fuzil fotográfico", aparelho (em formato de arma) que capta inúmeros instantes da imagem em curtos intervalos de tempo. A grande diferença de Marey para Muybridge, é que o seu invento incorporava todos os instantes em um mesmo suporte físico, logo as imagens se fundem uma sobre as outras sendo possível analisar a passagem e o movimento do corpo em um único plano. Algo bem semelhante ao efeito que é utilizado nas provas de ginástica olímpicas transmitidas na TV. Assim, a percepção do tempo na imagem começa a ser visível, pois está indica o trajeto da imagem em um determinado intervalo de tempo, deformando o natural, o que ocasiona a anamorfose.
Na fotografia, esse modo de controlar a passagem do tempo na imagem, é realizado a partir do tempo de abertura do obturador. Quanto maior o tempo de abertura, maior será a deformação da imagem em relação ao movimento. Este efeito incrusta na imagem rastros de ações, que começou a ser utilizado por artistas plásticos, como nas pinturas futuristas, onde o rastro passou a indicar movimento acelerado de máquinas industriais. Essa afirmação pode ser percebida na obra Dinamismo de Um Cão na Coleira (1912 - Óleo sobre tela, 89.9 x 109.9cm), de Giacomo Balla. A obra indica uma anotação do movimento das patas e do rabo de um cão, além das pernas de seu dono, que pela a imagem, mesmo sem a presença da máquina que é figura típica das obras futuristas, percebemos o dinamismo e a aceleração do homem moderno.
Seguindo o desenvolvimento, ainda que contrário ao ideal científico e observatório das criações de Muybridge e Marey, o cinema surge. Mas a sua forma de projeção não instiga a percepção visual da trajetória do movimento, pois este movimento é originalmente falso, criado por sucessivas trajetórias de vinte quatro quadros fotográficos fixos por segundos. Logo, Arlindo Machado afirma no texto Anamorfose Cronotópicas ou a Quarta Dimensão da Imagem, que "a inscrição do tempo no cinema não afeta as imagens, não as transfiguram, não gera portanto anamorfoses" (MACHADO, 2004, p. 101). As imagens cinematográficas são intercaladas por invisíveis intervalos negros entre um quadro fixo e outro, gerando uma ilusão de movimento e continuidade, chamado de efeito Phi, que só é possível pela forma como o olho humano recebe em sua retina esse falso movimento.
Em contrapartida, a imagem eletrônica é fruto de um maior experimentalismo em relação ao tempo-espaço. Sua natureza digital é própria de um meio intocável e extremamente maleável, o que torna a sua utilização mais inventiva sob a distorção da imagem. A forma como o vídeo é gerado, a partir das linhas que através do processo de varredura são intercaladas, indica que está matéria é própria da anamorfose cronotópica, pois sua produção é um único conglomerado de números exatamente calculados, onde cada linha, que será intercalada pela varredura brevemente, indica um intervalo de tempo diferenciado. Em câmeras de vídeo mais antigas, como as de tubo, pode se perceber um atraso dessa varredura, sobretudo quando estas imprimem um movimento em relação às luzes, onde se enxerga um rastro de luz na imagem que persiste por algum tempo. Assim, esse rastro adquire uma espécie de memória do tempo.
O melhor exemplo de analisar a anamorfose no vídeo é através do experimento, The Fourth Dimension (1988), do polonês Zbigniew Rybczynski (um dos escritores e fotógrafos do bizarro filme Angst). Rybczinski idealizou um software que promove a imagem eletrônica com pequenos atrasos na varredura, diferenciando o tempo de cada linha horizontal do vídeo frame a frame. Assim, a imagem que se movimenta adquire uma deformação quase extraterrestre, pois a varredura atrasada cria certos rastros orgânicos na forma. Veja este experimento seguindo a mesma estética de Rybczynski, http://vimeo.com/1163538, produzido por André Mintz e Pedro Veneroso, os mineiros que idealizaram o Marginalia Project (http://marginalia-project.blogspot.com/), grupo que busca promover arte tecnológica.
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