8 de junho de 2011

Cinema - RUBBER

Por: Lucas Sá

o filme que vão ver hoje...

é uma homenagem à "nenhuma razão"

Quentin. Calma, não é o Tarantino. Esse é o nome do jovem diretor, Quentin Dupieux, que realizou o bizarro filme RUBBER. Um pneu assassino que por poderes telepáticos começa uma viagem por velhas estradas e campos quentes explodindo cabeças de quem invade o seu redondo caminho. Sinopse cordial para um filme que antes de ser visto poderia ser enquadrado nos clássicos trashs contemporâneos, como Run Bitch Run! e Nude Nuns with Big Guns, que embalados pelo o sucesso de Grindhouse (À Prova de Morte + Planeta Terror), tentam retomar o horror cru e despretensioso do velho cinema underground dos ano 70 e 80.

É inevitável a ligação do nome do filme e do próprio diretor ao cineasta Quentin Tarantino. O estilo está presente até mesmo no pôster do filme, que abusa de elementos dos filmes de horror trash, com marcas de dobras no suposto papel e cores sem saturação, algo bem similar as películas de 35mm e na maior parte 16mm usadas para filmar os filmes do período. Rubber foi exibido na Semana da Crítica do festival de Cannes em 2010 e por aqui foi exibido no Festival do Rio. Fato que pode ser visto como uma abertura do "mercado" cultural do cinema para com o gênero do horror\terror, assim como aconteceu com o filme Possuídos de William Friedkin. Mas ultrapassando essa análise rasa, Rubber adentrou por inúmeras mostras e festivais mais conceituais do chamado cinema de arte por seu argumento ofensivo e que surpreende o espectador que idealiza as ações decorrentes do filme pela sinopse chula e trash, que o longa propõe em uma embalagem de "cinema de sangue e violência - Por favor, divirta-se!".
A cena introdutória de Rubber se torna um elemento crucial para esse decaimento do pré-conceito do espectador perante o filme. Um carro da polícia e várias cadeiras são vistas em uma estrada de terra longe de cidades, o carro passa a andar por entre as cadeiras quebrado-as enquanto isso. O carro para, de dentro do porta-malas sai um oficial da polícia que começa a falar olhando fixamente para a câmera. É de certa forma um monólogo do filme com o espectador, onde ele idealiza o que iremos ver ao longo da projeção, comparando as várias ações e noções absurdas que o cinema nos impõe. Frases como: "No filme de Steven Spielberg, E.T., por que o extraterrestre é marrom?" ou "Pior! Em "O Pianista", de Polanski, como é que esse cara tem que se esconder e viver como um vagabundo... se toca piano tão bem?". Ao final de todas essas dúvidas o oficial responde repetidas vezes para cada uma delas com a seguinte frase: "Por razão nenhuma". Ao fim de seu monólogo, vemos que ele está falando não com nós, mas com uma platéia de mais ou menos 15 pessoas variadas no meio da estrada empoeirada, ao qual um capacho do oficial entrega para cada um binóculos para visualizarem o showbiz do cinema, no caso, um pneu que mata seguidamente todos ao seu redor, explodindo sua cabeças sem NENHUMA RAZÃO. Rubber pode ser resumido por essa pequena frase, "nenhuma razão", frase que fortifica seu argumento absurdo de assimilação natural. Mas a verdadeira intenção dessa introdução seria analisar a indústria hollywoodiana e suas fraudes de "nenhumas razões”.

A indústria comercial do cinema hollywoodiano é a preferida por grande parte das salas de cinemas, mas seus filmes que encantam os nossos olhos estão carregados de mentiras que somos coagidos a assimilá-las como verdadeiras no universo fílmico. Logo, qual seriam as críticas de um pneu que apenas cria vida e anda matando todo mundo? Como ele conseguiu esses duvidosos poderes? Como ele simplesmente é vivo? Não pense, só veja e relaxe. Argumento bem tradicional do cinema norte-americano não é mesmo? Deixar o absurdo ser acreditável. O grande poder do cinema, o de ilusão e devaneio mental de quem o vê. Rubber é intercalado entre cenas da saga sangrenta do pneu e dos espectadores que olham por meio de binóculos o filme, algo como um filme dentre de um filme, bem similar a idéia de Os Olhos da Cidade são Meus, de Bigas Luna. São nas cenas dos espectadores e seus binóculos que o filme conquista esse tom irônico e ofensivo em relação ao cinema. Esses espectadores reclamam do filme e até se coloca em nosso lugar, como se fosse a nossa própria reação em relação ao filme que estamos por ver. Logo quando o capacho entrega os binóculos uma jovem garota da pseudo-platéia o interroga, "Desculpe-me, o filme vai ser colorido ou preto e branco?". Em seguida um garoto de uns 12 anos afirma, "É chato!", e seu pai responde, "Não seja tão negativo. É só o começo. Vai melhorar. Seja paciente", o garoto responde ao pai, "Espero que não seja um velho filme mudo". Em seus primeiros minutos, o diretor francês Quentin Dupieux, nos coloca frente a um público preconceituoso e crítico sobre o cinema, é uma platéia que busca consumos rápidos e de entretenimento gratuito, algo como um passatempo. O filme que continua com um tom arrastado e silencioso começa a desagradar a platéia dos binóculos, que passam a dormir e se desinteressar pelo o filme, chegando a afirmarem que quando o filme estiver ficando "bom" o suficiente é para acordá-los. Esse desinteresse pela trama em instantes é motivo de grande fome, literalmente, do público, o filme está chato, sem ação, estamos com fome, fome de diversão. Eles passam horas sem comer, mas o capacho mata e assa um peru, que é jogado de forma rude por ele na areia para esses espectadores esfomeados, que o comem de forma grotesca, se assemelhando a zumbis. O tempo passa, o peru estava envenenado, os espectadores morrem, sobrando apenas um, o "esperto" da platéia. O peru envenenado e os zumbis esfomeados, metáfora visual brutal e interessante sobre a ridícula relação filme + espectador.

A reação da platéia e seus binóculos acaba se tornando mais interessante do que o próprio pneu malandro. A divisão no filme em sub-tramas imersas em um único longa é interessante e eficaz, o que pode agradar tanto o espectador que busca a diversão (o pneu e seus assassinatos), quando os que buscam uma análise mais aprofundada das ações e mensagens intrínsecas. Dando espaço até para a atual febre da pirataria, onde dois espectadores discutem por um deles está filmando com uma câmera digital as ações do pneu. Falando em digital, Rubber foi filmado nas famosas câmeras fotográficas da Canon, a 5D Mark II. Sendo essa forma de captação mais uma forma de analisar o "fazer cinema" nesse novo século, que inevitavelmente está substituindo o analógico cada vez mais pelo digital, por suas facilidades e menores custos. Claro, Rubber foi feito nesse suporte por ser um filme independente e de baixo custo, seria então a Canon 5D um novo 16 ou 8mm como no cinema marginal em que o filme foi baseado?

Ao fim de sua trajetória FAKE, Rubber encarna em um pneu de bicicleta, continuando sua jornada, agora em Hollywood Land! Mas dessa vez com centenas de "amigos" pneus...

"Provavelmente nunca haviam pensado, mas todos os grandes filmes, sem exceção, contêm um importante elemento de "nenhuma razão". E sabem por quê? Porque a própria vida está cheia de "nenhuma razão". Por que não podemos ver o ar ao nosso redor? Nenhuma razão. Por que estamos sempre pensando? Nenhuma razão. Por que algumas pessoas gostam de salsichas e outras odeiam? Por porra nenhuma de razão. Senhoras, senhores, o filme que vão ver hoje... é uma homenagem à "nenhuma razão".

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