Por: Lucas Sá
Tive meu primeiro contato com Brillante Mendoza com algumas postagens de blogs sobre o filme O Massagista, confesso que fiquei meio cabreiro em relação ao cinema de Mendoza. É um cinema carnal que rasteja pelas ruas empoeiradas e movimentadas da Indonésia/Filipinas, sua cidade natal, um país pobre que ainda assim consegue manter um cinema vivo e criativo.
Mendoza em primeiro lugar vê o cinema como uma exploração, digo no sentido mais amplo da palavra. Exploração da imagem, da pobreza, do calor, da violência, dos corpos desnudos, das vaginas, dos pênis, e até mesmo do próprio cinema. Kinatay é o seu filme que permite uma reação do espectador diferenciada de seus trabalhos anteriores, é um filme brutal por si. Suas obras anteriores estão focadas na sexualidade da imagem, como disse, a exploração seria o da nudez e do ato sexual, tema persistente na sua filmografia. O Massagista é calcado em uma casa de massagem que funciona como um prostíbulo de jovens do sexo masculino, tendo estes jovens casos homossexuais com os "pagantes" pela a "massagem". O filme foi se inclinando para vários festivais do seguimento de entretenimento pornográfico e também para alguns festivais voltados para a temática homossexual. Seu filme de maior destaque em seguida é Serbis, que conta a história de uma família tradicional que para seu sustento mantém um cinema pornô de gerações no centro da cidade, em seu interior e corredores são vividos cenas de acasalamento entre humanos e brigas de família, um filme saturado de cores e sexo. Esse início de carreira de Mendoza é de certa forma bizarra, muitos o colocaram como um cineasta exibicionista e sem futuro, que utiliza o explicito para chocar, oras não é essa a intenção? Todo filme tem suas intenções, os de terror são os de sentir medo, os de comédia são para rir. Mas o que fez Mendonza se tornar reconhecido nos grandes festivais? A crueza das imagens e a questão do "cinema-verdade" são fundamentais nas obras de Mendoza, são um retrato preciso das condições de um país degradado através das lentes pervertidas de um diretor voyeurístico. Foi com Tirador e Serbis que Mendoza começou a ser reconhecido nos majestosos festivais, em Berlim com Tirador e com Serbis foi indicado para a Palma de Oura em Cannes. A exibição de Serbis em Cannes foi massacradora, os críticos e espectadores vaiaram o filme e deram notas em jornais e sites que o filme era um dos piores da competição e que não merecia ser selecionado para a honra do festival.Bom, um ano depois com seu filme Kinatay, Mendonza está novamente em Cannes, o que foi motivo de novas chacotas. Kinatay dessa vez sai como um grande e cruel filme, e recebeu nada mais do que o prêmio de melhor diretor pelo festival. Minha percepção sobre Mendoza era contida em pensar como, "ah! É o cara que faz filme de gente transando no cinema pornô", um erro infantil meu. Kinatay é um filme fundamental para se entender as intenções de Mendoza, a forma como ele filma seu país e seu povo é de uma paixão verdadeira. Sua câmera tremula e marginal se apega ao realismo condicional dos personagens e de seu espaço grotesco em que vivem. Nesse sentido, Mendoza se assemelha ao o cinema novo brasileiro, com sua agressividade visual, em citações como: "Um cinema sobre um país subdesenvolvido filmado de forma subdesenvolvida". Essa frase sintetiza precisamente o estilo de filmagem de Mendoza, que consiste em revelar as problemáticas sociais da forma mais ordinária e selvagem possível, sempre tendo como primeiros planos personagens imersos em um universo erótico e violento. Kinatay, assim como Tirador, são filmes que abordam a violência social como análise de uma sociedade calcada na corrupção cada vez mais natural e aceitável.
Um jovem (Peping) que acaba de se casar, se envolve involuntariamente em um crime contra uma prostituta chamada Madonna. Essa é a linha cronológica do longa, nada muito afetado, o seu roteiro é simples e direto, assim como suas ações e cenas. Seu roteiro pode até mesmo se assemelhar aos chamados "Revenge Movies" e Sexploitation, como no já comentado A Fonte da Donzela de Bergman, e Thriller - Um Filme Cruel. A diferença é que a parte da vingança é anulada e o ponto de vista do filme é através dos policiais assassinos. A trama é minimalista, reduzindo muitas das técnicas básicas de roteiros, como as reviravoltas e diálogos explicativos. O diálogo em Kinatay é uma rica fonte dos dramas e medos do personagem central, o seu uso é raro em determinado momento do filme, o diálogo é dosado e controlado a partir do seu envolvimento com o crime. O silêncio é precioso para Mendoza, a medida que só se ouvi os ruídos o filme cresce como um suspense psicológico poderoso que mantém o espectador tenso nas ações futuras, onde o filme acontece de fato, assim como em A Fonte da Donzela. A cena chave de preparação das ações é a longa e interessante viagem de Peping até o local do crime, é uma cena extensa que foca no rosto e nos olhares dos membros internos do carro, o close-up reina, as expressões de terror e de dúvidas de Peping seguem por todo o trajeto, ele está envolvido em algo irreversível a tal altura, o medo e o silêncio crescem a medida que o carro se aproxima de sua parada final, a morte. Uma cena que de início se revela como irrelevante, mas que com sua persistência temporal acaba se estendendo entre variadas análises do comportamento psicológico e facial de cada pessoa envolvida no ato.
Logo em seguida da cena do "carro da morte" é aonde o filme começa a se direcionar a um rumo mais forte e cruel. Desde o seu início se permite associá-lo apenas como um drama familiar, mas vai se desenvolvendo a medida que o carro anda, em um monstro, se aproximando do gênero do horror físico. O local, uma casa abandona longe da cidade. A Refém, uma prostituta. A causa, quilos de drogas que não foram pagos. A punição, sua morte. Peping que se pergunta a todo instante, mesmo sem ouvirmos sua voz, o que poderia fazer ou não fazer para fugir ou ajudar essa mulher? Ele se controla em suas atitudes, não pode demonstrar nenhum sentimento extravagante. Madonna está amarrada na cama, é espancada, estuprada e morta. A violência é a fonte da inversão do filme, as cenas do esquartejamento do corpo de Madonna são extremamente realistas e incomodam como nenhum outro filme de horror. Nunca tinha me deparado com tanto controle do filme ao ponto de me ver horrorizado com essas cenas banhadas a sangue, nem O Albergue, O Massacre da Serra Elétrica ou Ichi - O Assassino, me fizeram sentir esse pânico, algo parecido com o que pude experimentar com o filme japonês Guinea Pig - Devil's Experiment. Talvez em Kinatay essa violência tenha se tornado mais colossal devido a essa troca de tom inesperada que o carro propõem, nos avisando que algo de ruim irá acontecer de forma repentina.Aspectos sociais e universais são expostos nesta obra de Mendonza. O jornal e os noticiários televisivos são os alvos em Kinatay, todo seu alvoroço por notícias catastróficas é visto como uma sensação de diversão ou até mesmo lazer passageiro por parte da população filipina/indonesiana. Quando a família de Peping está se direcionando ao cartório para o seu casamento, um homem é visto em cima de uma alta placa publicitária ameaçando se jogar, em sua volta tem vários repórteres e câmeras, mas antes disso ouvimos esse mesmo acontecimentos em um noticiário da rádio, dentro de um ônibus. A mãe do garoto suicida diz, "Meu filho você está em todos os canais! Desça!". Então Mendoza conclui sua crítica nas cenas finais do filme, enquanto os assassinos espalham os pedaços do corpo estraçalhado de Madonna, durante a cena se fala: "Primeira página amanhã! Outra vez!" E jogam um braço pela janela. Na manhã do mesmo dia, ainda amanhecendo, vários moradores e um repórter estão em volta da cabeça de Madonna em um lixão, do lixão a cena é cortada para Peping entrando em um táxi, o que ouvimos no rádio do táxi é: "Para quem só agora se juntou a nós, foi encontrada outra cabeça cortada em Quezon City. Há algum tempo tornou-se habitual a descoberta de parte de corpos. Recentemente, foi encontrado um braço cortado em Calaocan. Está gangue é terrível, cujas vítimas são cortadas aos bocados..." Já é habitual e veloz.
É interessante, no sentido técnico, que o filme foi filmado com a câmera digital ARRIFLEX D-21, que se aproxima da imagem da película fílmica. O resultado é incrível, só olhos bem apurados com as filmagens percebem essa diferença do digital da Arriflex em relação ao método tradicional do cinema, a película. A economia que a câmera proporciona se reflete no orçamento do longa, que se aproxima de 800 mil dólares, segundo o site IMDB. Uma ótima filmadora! O cinema se tornando cada vez mais digital, e prático!
Tudo bem, pessoal? Gostei do direcionamento do blog de vocês. Se estiverem interessados, podemos enviar um banner. Já incluí a página entre nossos recomendados. Abraço!
ResponderExcluirOk! Já inclui você no nosso também.
ResponderExcluirObrigado!
Equipe - Lucas'sVille